“Se,
por não sei que excesso de socialismo ou de barbárie, todas as nossas
disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina
literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no
monumento literário."
(Roland Barthes, no texto intitulado Aula.)
Objetivo geral:
Descobrir
que funções da linguagem são usadas ou acionadas tanto em textos literários, de
acordo com seus gêneros, quanto em textos não-literários.
Objetivos específicos:
1º: distinguir a prosa do poema;
2º: apresentar e explicar conceitos de
teoria e crítica literárias, que pertencem à Teoria da Literatura;
3º: distinguir os quatro gêneros
literários: o épico, o lírico, o dramático e o narrativo;
4º: identificar qual função da linguagem
mais se destaca em textos literários e também em textos não-literários.
Pré-requisitos:
Saber
os elementos da comunicação e as funções da linguagem; saber os conceitos de
arte, literatura, texto literário e texto não-literário.
INTRODUÇÃO
Na aula retrasada, aprendemos a
Teoria da Comunicação, de Roman Jakobson; na aula passada, aprendemos os
conceitos de arte e literatura. Agora, cada um de vocês, em tese, está apto
para saber que funções da linguagem, definidas por Roman Jakobson, são usadas
nos textos literários, que são divididos em gêneros, conforme as explicações
que registrarei mais adiante. Se existe uma linguagem literária, que é o uso
literário ou artístico do idioma, então tal linguagem deve acionar pelo menos
uma das seis funções da linguagem, e isso também depende da diferença que há
entre os textos literários e os não-literários. As funções da linguagem que os
textos literários usam nós analisaremos nesta aula.
Um aviso: Os textos literários que escolhi pertencem a autores que
muitos críticos e teóricos da Literatura chamam de gênios. Hoje, quase ninguém mais aceita o conceito de gênio. Harold
Bloom (1930-2019), crítico literário estadunidense, é um dos poucos que ainda
dividem os autores em grandes e pequenos e aceita a genialidade. Quando
separamos um grupo de autores supostamente superiores aos outros, criamos um
cânone: Assim como a Igreja Católica seleciona os que merecem a santificação, a
crítica literária separa os autores muito bons dos não tão bons assim. É assim
que separamos os clássicos
literários do resto. (Dizem as más línguas que é dever do leitor extrair o
sentido mais profundo do texto literário, como se fosse um enigma. Isso, porém,
não contém substância nenhuma, porque é falsa tal afirmação. O leitor é alguém
que interage com o texto, de modo que a comunicação entre ele e o autor é uma
interação. O leitor não extrai o sentido: ele o produz, por isso é um efeito da
linguagem, que exerce função ou funções.)
Outro aviso: Ninguém é obrigado a seguir as teorias que vão ser
enunciadas nesta aula: cada um tem o direito de apreciar o texto como lhe
parecer melhor.
Agora, peço que imaginem uma criança
birrenta que faça pirraça a fim de receber doces à venda na rua. Pode a mãe
repreendê-la, mas pode ceder aos irritantes apelos infantis. Tanto numa
hipótese como na outra a mãe age em função do comportamento da criança, o que
quer dizer que o comportamento da mãe se resume a tomar uma atitude em função
do que fez a criança. A criança, portanto, apesar de ter chorado de verdade (e
não com fingimento), usou muito mais a função conativa ou apelativa da
linguagem do que a função emotiva. Quando uma criança chora, usa a função
emotiva, porque revela seu eu interior: não consegue refrear o choro nem as
emoções. No entanto, se compararmos o uso que a criança faz da linguagem com o
uso que o jornalista faz durante uma reportagem ao vivo pela televisão, veremos
muitas diferenças entre a intenção do jornalista e a da criança. É na
comparação entre diferentes textos que saberemos qual função da linguagem mais
se destaca nesta ou naquela mensagem.
Texto literário
e texto não-literário
Vocês já sabem a diferença entre um
e o outro, mas, mesmo assim, vocês lerão dois textos em prosa: um é um conto de
Fernando Sabino (1923-2004); o outro, uma notícia publicada em 17/7/2020, no site Uol.
Texto I
A
mulher do vizinho
Contaram-me
que na rua onde mora (ou morava) um conhecido e antipático general de nosso
Exército morava (ou mora) também um sueco cujos filhos passavam o dia jogando
futebol com bola de meia. Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do
general e um dia o general acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do
bairro para dar um jeito nos filhos do sueco.
O
delegado resolveu passar uma chamada no homem, e intimou-o a comparecer à
delegacia.
O
sueco era tímido, meio descuidado no vestir e pelo aspecto não parecia ser um
importante industrial, dono de grande fábrica de papel (ou coisa parecida), que
realmente ele era. Obedecendo a ordem recebida, compareceu em companhia da
mulher à delegacia e ouviu calado tudo o que o delegado tinha a dizer-lhe. O
delegado tinha a dizer-lhe o seguinte:
— O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país pode logo ir
fazendo o que quer? Nunca ouviu falar numa coisa chamada AUTORIDADES
CONSTITUÍDAS? Não sabe que tem de conhecer as leis do país? Não sabe que existe
uma coisa chamada EXÉRCITO BRASILEIRO que o senhor tem de respeitar? Que
negócio é este? Então é ir chegando assim sem mais nem menos e fazendo o que
bem entende, como se isso aqui fosse casa da sogra? Eu ensino o senhor a
cumprir a lei, ali no duro: dura lex!
Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando
o general, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos feito o senhor.
Tudo
isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão
a um canto. O sueco pediu (com delicadeza) licença para se retirar. Foi então
que a mulher do sueco interveio:
—
Era tudo que o senhor tinha a dizer a meu marido?
O delegado apenas olhou-a espantado com o atrevimento.
— Pois então fique sabendo que eu também sei tratar tipos como o senhor.
Meu marido não e gringo nem meus filhos são moleques. Se por acaso incomodaram
o general ele que viesse falar comigo, pois o senhor também está nos
incomodando. E fique sabendo que sou brasileira, sou prima de um major do
Exército, sobrinha de um coronel, E FILHA DE UM GENERAL! Morou?
Estarrecido, o delegado só teve forças para engolir em seco e balbuciar
humildemente:
— Da ativa, minha senhora?
E ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os braços
desalentado:
— Da ativa, Motinha! Sai dessa…
(Crônica: a mulher do vizinho. In: Armazém do Texto. 14 set. 2018.
Disponível em:
<https://armazemdetexto.blogspot.com/2018/09/cronica-mulher-do-vizinho-fernando.html>.
Acesso em: 26 abr. 2021.)
Texto II
Abordado
sem máscara, desembargador despreza guarda em Santos: “Analfabeto”
Um
homem que se apresentou como “desembargador Eduardo Siqueira” foi flagrado
confrontando a GCM (Guarda Civil Municipal) de Santos, no litoral paulista. O
fato aconteceu durante uma abordagem pelo fato de ele, que estava na praia, se
recusar a usar máscara. A reportagem do UOL
consultou o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que confirmou o jurista
em seus quadros.
O
uso do equipamento de proteção contra o coronavírus é obrigatório na cidade por
meio do decreto nº 8.944, de 23 de abril de 2020, assinado pelo prefeito Paulo
Alexandre Barbosa (PSDB). Descumprir a medida gera multa de R$ 100.
Nas
imagens, que circulam em redes sociais, o homem é abordado por um homem da GCM,
que pede “por favor” para ele usar máscara. Eduardo é informado sobre o
decreto, mas diz que o ato “não é lei” e se recusa.
O
guarda, então, desce do carro para aplicar a multa. Eduardo afirmou que já
havia recebido uma infração: “Amassei e joguei na cara dele. Você quer que eu
jogue na sua também?”, questiona.
No
contato com o TJ-SP, o UOL ofereceu espaço a Siqueira caso ele deseje se
manifestar sobre o caso, e até o momento não houve resposta.
Indignado
ao ver que o guarda está executando a punição, o homem pega o celular e diz
ligar para o secretário de Segurança de Santos, Sérgio Del Bel. Ao perceber que
está sendo filmado, ele sorri e dá um sinal positivo para a câmera. Durante o
telefonema, ele diz que está “com um analfabeto” e alega que está sozinho na
faixa de areia. Eduardo tenta passar o telefone ao guarda, que recusa. TJ-SP se
manifesta O TJ-SP, por meio de nota, informou que vai apurar a conduta do
desembargador. “O Tribunal de Justiça de São Paulo informa que, ao tomar
conhecimento, determinou imediata instauração de procedimento de apuração dos
fatos; requisitou a gravação original e ouvirá, com a máxima brevidade, os
guardas civis e o magistrado.” O caso vem repercutindo desde a manhã de hoje, e
o termo “desembargador” já é um dos mais comentados do Twitter no Brasil.
(Abordado sem máscara, desembargador
despreza guarda em Santos: “Analfabeto”. In: Uol. 19 jul. 2020. Disponível em:
<https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/07/19/santos-homem-se-apresenta-como-desembargador-recusa-mascara-e-humilha-cgm.htm>.
Acesso em: 26 abr. 2021.)
O que os dois textos — o conto e a
reportagem — têm em comum? A resposta é o tema: ambos os escritos abordam o
abuso de autoridade. Esse tipo de abuso também é conhecido como carteirada. Existem prosas de ficção
que abordam outros temas: o romance O Conde
de Monte Cristo (1844), de Alexandre Dumas (1802-1870), fala do desejo de vingança,
já que o personagem principal, Edmond Dantès, é movido por tal desejo. (Claymore, um mangá que foi o ponto de
partida para um animê de mesmo nome, também tem como tema central a vingança. O
desejo de vingança também é o tema da telenovela Avenida Brasil.) Mas qual a diferença entre o conto de Fernando
Sabino e a notícia?
Em primeiro lugar, devemos notar que
o conto é ficcional, mesmo que seja parecido com a realidade. A ficção mostra o
que é possível, mas não o que é real, mesmo que possa ser baseada em fatos
reais. Além disso, precisamos notar que, no conto, há uma diegese, ou seja:
existem, por assim dizer, “técnicas” narrativas, como o uso de diálogos
(conversas), os registros de um narrador que diz “Contaram-me” logo no início,
etc. Um dos mais conhecidos exemplos de diegese é a expressão “Era uma vez...”,
muito encontrada nos contos de fadas. Nos filmes de Star Wars, vemos uma tela com os dizeres iniciais: “Há muito tempo,
numa galáxia muito, muito distante...”.
Podemos até aprender uma lição moral
com a prosa de ficção de Fernando Sabino: a lição de que não devemos humilhar
os outros com base numa suposta (e inexistente) superioridade. A lição, nesse
caso, é um dos vários conhecimentos que a literatura proporciona, muito embora
ela não seja produzida com fins didáticos. Não podemos, é claro, confiar
plenamente, porque nem sempre a ficção é tão fiel à realidade: No romance A Normalista (1893), de Adolfo Caminha (1867-1897),
por exemplo, o narrador, que exerce funções que câmeras e microfones exerceriam
num filme, descreve uma pessoa com elefantíase, uma doença. Acontece que os
sintomas por ele descritos não são os da doença, o que prova que o autor não
pesquisou direito, já que o narrador só registra o que o autor permite. E aqui
temos outra diferença: se é absurdo confundir um ator com o seu personagem,
então não podemos confundir o narrador com o autor do texto literário. Quem
quiser saber o que causa elefantíase e quais são os sintomas terá de consultar
um bom médico ou um livro de Ciências. Podemos até dizer que os livros de
Medicina formam a “literatura” médica, ao passo que os livros de Matemática
formam a “literatura” matemática, e isso também vale para o Direito e para
todas as outras ciências, de modo que, quando um médico diz que não encontra
nada na “literatura” médica, é porque pode estar diante de um caso inédito.
(Daqui a alguns anos, nas faculdades de Medicina, a “literatura” médica falará
da Covid e do novo coronavírus.) Quando um juiz afirma que a “literatura” do
Direito contém uma jurisprudência (que, por sua vez, são os casos parecidos com
o que julga somados a decisões judiciais anteriores) e uma doutrina (uma
interpretação mais específica da aplicação desta ou daquela lei), ele está
querendo dizer que pode se basear em tal “literatura” para tomar uma decisão.
Contudo, estamos diante do sentido lato da palavra literatura: é como se fosse sinônimo de biblioteca (conjunto ou coleção de livros). Os sentidos estritos,
que a encaram como arte, estão na aula anterior.
Em segundo lugar, devemos notar que
o conto é, por assim dizer, um texto de caráter mais subjetivo ou pessoal,
enquanto a notícia usa uma linguagem que é, por assim dizer, mais “objetiva”.
(Nada impede que a opinião do jornalista esteja na manchete ou no corpo da
notícia, ainda que ele não se dê conta disso: involuntária ou
inconscientemente, pode o redator do jornal ou do site deixar IMPLÍCITA, e não explícita, a sua opinião SUBJETIVA
(pessoal) no texto. Um exemplo é a manchete seguinte, publicada no site Tribuna Online em 22/4/2021:
“Rodoviários se manifestam por falta de pagamento e ameaçam greve em
Guarapari”. A intenção do jornalista não é a de dizer que rodoviários ameaçam a
própria greve: não querem colocá-la em risco: o que querem é fazer ameaça de greve. Ora, por que o redator
usa a palavra ameaça? Mesmo que acredite que é a favor da hipótese ou da
possibilidade de greve e que ela é justa, ele deixa subentendido que, no seu
inconsciente, não gosta dela: se gostasse, e estivesse ao lado dos potenciais
grevistas, teria usado a expressão direito constitucional de greve, e
não a palavra ameaça. Nunca é neutra a
escolha de palavras. Podemos, é claro, inferir que não é exatamente a
opinião do jornalista que fica implícita ou explícita, mas sim a do dono ou
donos do veículo ou canal de comunicação. Seja como for, isso revela que a
linguagem não é usada pelos jornalistas só com o objetivo de informar: mesmo
que o tema e a função referencial da linguagem sejam o que mais se destaca, o
fato é que também é usada a função conativa, já que também existe a intenção de
mexer com a opinião, com os sentimentos e com o comportamento do público, como
no caso da Escola Base, um caso de escândalo
de “jornalismo” sensacionalista que prova que o público acaba sendo
influenciado e manipulado. Repetir várias vezes o número de pessoas infectadas
pelo novo coronavírus, por exemplo, não é só uma questão de informação: os
jornais e os outros veículos ou mídias querem que o público siga os protocolos
sanitários, como o uso de máscara. Nesse caso, a imprensa tem um papel
importante como formadora de opinião. Entretanto, no caso da possível greve dos
rodoviários, o que vemos é uma opinião pessoal deste ou daquele indivíduo que
não quer a greve. Contudo, a apuração dos fatos deve estar acima do furo de
reportagem e do sensacionalismo. Sem a apuração, podem ser divulgadas mentiras,
também conhecidas como fake news.)
Também são perceptíveis duas coisas:
1. a prosa de ficção nem sempre pode ser confiável, mas muitos autores se
esforçam para imitar a realidade. Trata-se do princípio da verossimilhança
(semelhança com a verdade). Se eu, por exemplo, decido criar um conto cuja
protagonista seja uma advogada, precisarei fazer pesquisas para imitar bem a
realidade daquela profissional do Direito. Esse é um princípio que Platão e
Aristóteles já tinham examinado na Antiguidade grega: o da mímesis (imitação).
Se for bem-sucedido, o autor (que serei eu), por meio de um narrador,
apresentará informações corretas e úteis ao leitor, ainda que não seja esse o
objetivo da literatura. Neste caso, estará provando a mathesis, de que fala Roland Barthes. A mathesis são os diferentes conhecimentos sobre a vida e sobre as
ciências que pode a literatura proporcionar. Um deles pode ser a lição moral,
um tipo de lição muito comum nas fábulas.
Existem autores que criaram
personagens e enredos muito marcantes; por isso acabaram se tornando
“imortais”. É o caso de Machado de Assis (1839-1908). A propósito: não só na
literatura em sentido estrito ou específico (arte da palavra), mas também na
literatura em sentido lato, em todas as outras artes e em todas as ciências é importante vincular o autor à obra e a
obra ao autor.
Sim, mas eu me referia às diferenças
entre o conto de Fernando Sabino e a notícia do sítio (ou site) Uol. Pois bem: no
conto, há um conflito, coisa muito comum na ficção. Há quem diga que foi gerado
pelos garotos que jogavam futebol com bola de meia; no entanto, esse foi apenas
o motivo da chegada dos pais à delegacia. A meu ver, o conflito começa quando a
esposa do sueco dirige a palavra ao delegado; entretanto, o que gerou o
conflito foi a prepotência do delegado, que havia tomado as dores do tal
general (vizinho do casal) e, por isso, humilhou os pais dos meninos.
O clímax (o ponto mais emocionante
para o leitor, que fica envolvido pela história, conforme o uso da função
conativa da linguagem) é o momento em que o delegado olha para a esposa do
sueco, espantado com a coragem ou “atrevimento” dela. Podemos dizer que existe
uma lição, como eu já tinha dito: ninguém tem o direito de humilhar ninguém, porque
ninguém é superior aos outros. Com efeito: o delegado não sabia com quem estava
lidando: a esposa do homem sueco era filha de um general, sobrinha de um
coronel e prima de um major, e o narrador não indica que pudesse estar
blefando. Pode-se dizer que é ela a heroína ou protagonista da história. (Por
definição, o protagonista é quem luta pelas causas justas e pratica a bondade.
Mas e Light Yagami, que, com um caderno sobrenatural, escreve o nome de
criminosos e, assim, causa a morte deles? Seria ele o “protagonista” do animê Death Note? (um thriller). É justo o que ele faz? Talvez seja o caso de dizer que
ele é o personagem principal, mas não o protagonista: não é herói, porém não
chega a ser exatamente um vilão: é um anti-herói.
Talvez os estudos mais modernos de Narratologia possam explicar isso melhor.
Outro exemplo de anti-herói é o personagem Anakin Skywalker, dos filmes de Star Wars: comete assassinatos em nome
do que ele considera “justo” e trai os amigos e a esposa numa guerra civil.
Embora seja responsável pelas próprias ações, foi manipulado por Palpatine, o
verdadeiro malfeitor da trama.)
Observemos, mais uma vez, que o tema
das duas histórias (a do conto e a do site
de notícias Uol) é, basicamente, o
mesmo: o abuso de autoridade. Contudo, no conto prevalece a função poética, já
que ele é estruturado como prosa de ficção com todos os recursos da diegese que
já apontei, e que evidenciam duas coisas: 1. que a linguagem verbal (o idioma)
foi usada de modo especial. 2. e que quando o emissor da mensagem usa a
linguagem de modo especial a fim de conseguir a literaturidade (uso especial do
idioma), ele se concentra demais na
mensagem e na forma que ela assume. Já na notícia prevalece a função
referencial, pois o redator a publicou com a intenção de informar ao público
leitor o que tinha acontecido. Em resumo: o que se destaca no conto é o caráter
artístico da mensagem, enquanto na notícia o que mais se destaca é o referente
ou o tema. Se o leitor sentiu raiva das atitudes deploráveis do desembargador
durante a leitura da notícia do site Uol, foi usada a função conativa da
linguagem, que é o que acontece quando a mensagem afeta o comportamento ou os
sentimentos do receptor da mensagem; no entanto, não foi essa a intenção
principal do jornalista; tampouco foi sua intenção secundária.
Tudo o que estou dizendo leva em
conta apenas os dois textos: o de Fernando Sabino e a notícia. Se se tratasse
de dois textos literários, outros seriam os resultados da comparação.
Obviamente a notícia não é literatura.
O conto de Fernando Sabino pertence
ao gênero prosa, mas pertence também ao gênero narrativo. Mas se Fernando
Sabino, como ficcionista, quis contar uma história, por que os fatos e o tema
(ou referentes) não se destacam mais do que a maneira como ele a conta ou como
elabora o conto? Precisamos entender que, além da prosa, há o poema, que, via
de regra, é um conjunto de versos ou linhas. A diferença entre o poema e a
prosa é a que existe entre os parágrafos e os versos: cada verso é a linha de
um poema, enquanto cada parágrafo pode ocupar uma linha, duas ou várias. Também
pode conter mais de uma frase. Via de regra, poesia é o mesmo que poema. Por
outro lado, poesia é todo uso da linguagem verbal que produza um texto cuja forma e cujo conteúdo
encantem esteticamente o leitor, motivo pelo qual na prosa também se
usa a função poética da linguagem. Torno a repetir aquele exemplo: Em
Teresópolis, no inverno, faz um frio de congelar a alma. Isso é poético quando
levamos em conta a possibilidade de dizer que lá faz muito frio. Poema acaba
sendo o mesmo que poesia, de modo que a prosa muito poética é chamada de poema
em prosa. Aí o aluno diz que isso é uma contradição em termos, como no caso da expressão
“subir para baixo”: um termo contradiz o outro, uma vez que o segundo
representa o oposto do que é representado pelo primeiro. Não é bem assim:
Segundo a professora Olga Kempinska
(2012, p. 170), o poema em prosa foi criado por Aloysius Bertrand (1807-1841).
No poema em prosa, não há propriamente uma narrativa, mas nele se “encena a
manifestação de uma subjetividade” (idem, ibidem, p. 170). De qualquer forma, vamos separar os poemas das prosas de
ficção.
Não podemos levar em conta apenas o
uso do espaço do papel ou da tela do computador; também não podemos levar em
conta apenas o ritmo, que também separa a prosa do poema, porque a diferença
entre a prosa e os versos tem que ver só com a forma, com a maneira de escrever
e estruturar o texto, pois, quando se trata de literatura (ou de texto literário),
também temos de analisar o conteúdo, o tema ou temas; por isso fazemos a
distinção: existem quatro gêneros: o narrativo, o lírico, o épico e o
dramático. Se a história gira em torno principalmente de um conflito, temos uma
narrativa, logo, é do gênero narrativo; se, porém, o conflito é entre o bem e o
mal, com toques de tragédia (e até de comédia), estamos diante do gênero dramático,
em que se valorizam mais ações do que a análise psicológica das personagens.
Ora, a função poética é a que mais se
destaca quando o que mais se destaca é a elaboração da mensagem ou a mensagem
em si. Ora, todo texto literário é uma mensagem, e todo escrito
literário usa a função poética, pois não
(não, NÃO!) pode haver literatura sem
a função poética, que só é possível quando o escritor, concentrado na elaboração e na
organização da mensagem (trabalho de que são provas cabais os rascunhos),
aplica procedimentos estéticos para
que a linguagem seja usada de modo especial (o que garante a estética ou a
beleza da prosa ou do poema). Podemos, no entanto, inverter a oração: não pode haver função poética sem
literatura. Logo, comparar um texto literário com outro escrito
literário exige que se leve em conta não apenas a forma da mensagem, mas também
o conteúdo e um dos quatro gêneros a que ela pertence.
Se compararmos o conto de Fernando
Sabino com a notícia do site Uol, veremos que, no conto, como eu já
disse, de todas as funções da linguagem usadas a que mais se destaca é a
poética. O autor também usa as funções referencial e conativa. Esta, aliás, foi
usada pelo delegado contra o casal, já que tentou intimidar o sueco; a mulher
fez a mesma coisa, mas foi ela que saiu ganhando na disputa para ver quem
intimidaria quem. Na notícia do site,
pode ter sido usada a função conativa, já que muitos leitores ficaram
indignados com o comportamento do desembargador, o que sugere que o teor da
notícia mexeu com o público tanto quanto o filme A Paixão de Cristo mexeu com os espectadores (dos quais alguns ou
muitos passaram mal por causa das cenas); contudo, a intenção da matéria é a de
informar; portanto, o que mais se destaca é o tema, a informação, de modo que a
função da linguagem que mais se destaca é a referencial: a linguagem serviu
para prestar informações, e não para despertar emoções. (Sabemos que a função
conativa é usada quando modificamos o comportamento do ouvinte ou do leitor,
mas mesmo assim nem sempre fazemos isso de propósito. Se eu tenho de informar a
uma pessoa que um amigo querido está são e salvo depois que o tal amigo sofreu
um acidente, devo começar a contar a história pelo fim, para que ela não passe
mal, por exemplo.)
Contudo, se compararmos o conto de
Fernando Sabino com o Texto IV, que,
por sua vez, é um poema lírico, teremos de reconhecer que no conto o que se
destaca é o referente, ou seja: é o tema. Se antes comparamos um texto
literário com uma notícia, agora estamos levantando a possibilidade de comparar
um texto literário com OUTRO texto literário.
Quando comparado com o gênero
lírico, no narrativo a função que mais se destaca é a referencial, e não a
poética. É que no gênero lírico predomina a expressão ou a encenação de uma
subjetividade e de seu mundo interior; consequentemente, o emissor, que, no
gênero lírico, é um eu poético ou eu lírico (o qual não pode ser
confundido com o eu de carne e osso, ainda que um não exista sem o outro e
possa haver pontos de contato em razão da história de vida do poeta), é o elemento da comunicação que mais se
destaca; por conseguinte, destaca-se a função emotiva no gênero lírico
em comparação com outros gêneros, ao menos em teoria. Além disso, os versos,
quando neles são usados procedimentos estéticos (rimas, aliterações, refrão,
métrica, figuras de pensamento, imagens geradas por palavras), tendem a ser
mais poéticos do que a prosa. Contudo, não podemos negar que, no conto que
lemos, a linguagem, outro elemento da comunicação, também é usada de modo
especial por causa da intenção do autor, que se concentrou na elaboração da
prosa (ou seja: concentrou-se na
mensagem), e é por isso que nele também é usada a função poética. O
“desempate” fica nas mãos da análise do conteúdo: o conteúdo do gênero
narrativo é centrado no tema, nos acontecimentos, no referente, logo,
destaca-se mais a função referencial diante do gênero lírico (do gênero lírico,
e não diante de um texto não-literário). No gênero lírico, destaca-se mais a
função emotiva, como poderemos ver no Texto
IV. Mas que texto é esse? É o que vem depois do Texto III, que leremos a partir de agora:
Texto III
Em
várias regiões do país, existe a figura conhecida como “gato”. Ele vai à
procura de homens e mulheres desempregados ou miseráveis que buscam meios de
sustento, propondo-lhes salários, moradia e alimentação. Uma vez no local de
trabalho — em geral, fazendas ou beneficiadoras de produtos agrícolas —, essas
pessoas devem cumprir longa jornada de trabalho, muito superior às 44 horas
semanais legalmente estabelecidas. Cada alimento que o trabalhador recebe é
debitado dos seus rendimentos. Ao final do mês, em geral, sua dívida é maior
que o salário combinado. A partir daí, o trabalhador é proibido de sair do
estabelecimento de trabalho até que pague a dívida. Mas como pagar se todo mês
o salário é menor que o devido? Eis o mecanismo de escravização: a dívida. O
trabalhador fica preso por dever ao proprietário, e a violência é o recurso
utilizado para mantê-lo no local.
(Roberto Catelli. Conexão História (v. 1). 1. ed. São Paulo: Editora AJS, 2013, p.
250-1.)
TEXTO IV (4º)
Grito Negro
Eu
sou carvão!
E
tu arrancas-me brutalmente do chão
e
fazes-me tua mina, patrão.
Eu
sou carvão!
E
tu acendes-me, patrão,
para
te servir eternamente como força motriz
mas
eternamente não, patrão.
Eu
sou carvão
e
tenho que arder sim;
queimar
tudo com a força da minha combustão.
Eu
sou carvão;
tenho
que arder na exploração
arder
até às cinzas da maldição
arder
vivo como alcatrão, meu irmão,
até
não ser mais a tua mina, patrão.
Eu
sou carvão.
Tenho
que arder
Queimar
tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu
sou o teu carvão, patrão.
(José
Craveirinha)
(Grito
negro, por José Craveirinha. In: Revista
Pazes. Disponível em:
<https://www.revistapazes.com/grito-negro-por-jose-craveirinha/>. 26 mai.
2016. Acesso em: 25 mar. 2020.)
O Texto IV, como puderam conferir, é um poema do maçambicano José
Craveirinha (1922-2003), enquanto o Texto
III é o trecho de um livro de História. O livro contém foto do resgate de
trabalhadores escravizados em Eldorado dos Carajás (PA), em 2008. É óbvio que
no Texto III o que mais se destaca é
a função referencial, já que o idioma foi usado para falar do referente (o
tema) da mensagem. Esse tema, aliás, é igualzinho ao dos versos de José
Craveirinha, cujo eu poético faz um desabafo sobre a exploração a que é
submetido. Mesmo assim, no poema, a função mais usada é a função poética, desde
que seja comparado com o trecho do livro de História (o Texto III); mas, se o poema de José Craveirinha for comparado ao
conto de Fernando Sabino, a função da linguagem que mais vai se destacar no
poemas de Craveirinha é a função emotiva; afinal, nos versos do escritor
moçambicano, o emissor, que faz a linguagem se concentrar em si mesmo, revela a
sua interioridade. Não é à toa que encontramos marcas da primeira pessoa: “Eu
sou”; “tenho”; “me”.
Que tal compararmos o poema de José
Craveirinha, que é o Texto IV, com o
Texto V? Os dois são líricos, pois
que em ambos prevalece o emissor (o eu poético) que revela a sua interioridade
ao falar do tema escolhido. Vejamos:
TEXTO V (5º)
MEUS
OITO ANOS
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
(Casimiro de Abreu)
(Casimiro de Abreu. In: Academia Brasileira de Letras. Disponível em: <https://www.academia.org.br/academicos/casimiro-de-abreu/textos-escolhidos>.
Acesso em: 26 abr. 2021.)
Temos um “empate”: o moçambicano José
Craveirinha, que foi criado num ambiente marcado por lutas políticas e
exploração gerada pelo neoimperialismo, escreveu sobre um tema que faz com que
se destaque o emissor da mensagem ou o seu eu interior. (Se ele se baseou na
sua própria experiência de vida ou na de outra pessoa, isso eu não sei.) Já no poema
de Casimiro de Abreu (1839-1860) o tema é a infância, mas também há destaque
para o mundo interior do eu poético justamente por ele ter escolhido como tema
a infância. Observem que aparecem as marcas da primeira pessoa (as marcas do
eu). Nos dois poemas líricos vemos a função poética e a função emotiva. Isso
porque estamos comparando poemas do mesmo gênero (o lírico), e não poesias de
gêneros diferentes.
Cabe à crítica literária dizer qual
dos dois fez a mensagem mais bonita, isso é: cabe a ela julgar ou avaliar se um
se concentrou mais na mensagem e na sua elaboração ou organização do que o
outro. Qual dos dois autores usou mais procedimentos estéticos? (tais como
figuras de pensamento, rimas, assonâncias, aliterações).
Já percebemos que o gênero é
fundamental para compreender qualquer texto literário; da mesma forma, é crucial
que saibamos o gênero para identificarmos a função da linguagem que mais se
destaca dentre as que são usadas (todo texto usa pelo menos duas ou mais
funções).
Mas, afinal, o que define o gênero
de um texto literário? Dois fatores o definem: a forma básica (que pode ser a
prosa, mas também pode ser o poema) e o conteúdo. É o que dizem as teorias
literárias.
Os Estudos Literários: as teorias
literárias, a Teoria da Literatura, a crítica literária, a metacrítica e os
gêneros literários
Para que possamos saber ou provar
que o texto é mesmo literário, precisamos saber a diferença entre um caso
particular e o geral.
Se, por exemplo, uma teoria
estabelece uma fórmula literária (que, como toda fórmula, é a sistematização de
regras gerais extraídas de evidências pertencentes a diversos textos artísticos
ou literários, ou seja: a diversas obras particulares, específicas) segundo a
qual histórias góticas contêm passagens secretas, portas que rangem, fantasmas
e alçapões, tem-se a lei de um gênero. “É legítimo observar, no interior de um
texto”, declara Tzvetan Todorov (2017, p. 151), “a relação que se estabelece
entre a cor do rosto de um fantasma, a forma do alçapão pelo qual desaparece, o
odor singular que deixa este desaparecimento”. Esse trabalho de avaliação julga
um caso particular (uma obra) para confrontar os elementos com o que postula a
teoria, de modo que se verifique o que há de diferente e o que há de conhecido
no texto. Dessa forma, vai-se do particular ao geral (isto é: da obra
específica ao gênero literário a que ela pertence) e vice-versa. Destarte (isto
é: desse modo), examina-se “um livro que toma seu valor de outros livros, que é
original se não se parece com os outros, que é compreendido porque é o reflexo
dos outros” (BLANCHOT, 2011, p. 316). Trata-se da influência entre os textos
literários. Tal influência é conhecida como intertextualidade. Para François Jost (1994, p. 334-347), a escolha
de temas e a influência entre os autores são métodos dos estudiosos da
Literatura. É por esses métodos (e também por outros), que podemos comparar,
por exemplo, a Literatura de Portugal com a do Japão.
Isso, porém, não anula que o público
é quem consagra a obra, até porque é ele que com ela se identifica.
Uma das teorias literárias fala das
imagens e do estranhamento gerado pelo escrito literário. Se num poema de amor
o eu poético fala do luar, das estrelas e do brilho dos olhos da mulher amada,
está ele inoculando ou injetando imagens poéticas, que geralmente não
apreciamos no dia a dia.
Outra teoria diz que o texto
literário tende a ser plurissignificativo e que sua interpretação não é única:
não é unívoco o sentido, isto é: não há apenas um sentido ou apenas uma
interpretação. A homonímia é um meio de garantir mais de uma interpretação.
Isso tudo é aceito pela Teoria da Literatura.
Sabe-se que existem gêneros mais
“nobres” ou dignos do que outros. Falar em gênero é falar em teoria (ou em
poética, para usar um termo mais antigo do que a teoria). A teoria é uma
explicação que reúne as regras de um gênero a partir da observação de obras
particulares. O gênero, como diz o nome, é a generalização, é o geral, que
nasce a partir da identificação das semelhanças que obras específicas mantêm
entrem si, até mesmo por causa da intertextualidade. Quando as obras
particulares são examinadas separadamente e se descobre que, apesar das
diferenças, elas empregam basicamente a mesma
fórmula, postula-se que elas pertencem a um gênero. Sendo assim, tudo
quanto se diz de um gênero é teoria, enquanto tudo que se diz de uma obra
particular é crítica (crítica não é necessariamente falar mal). Do particular
vai-se ao geral (esse é o trabalho da teoria, da poética), e do geral vai-se ao
particular (esse é o trabalho da crítica). Eu, por exemplo, sou humano, então
podemos, com base numa generalização acertada, dizer que preciso beber água,
mas o modo particular como faço isso pode destoar do modo como fazem outras
pessoas tanto quanto pode se assemelhar. (A propósito: às vezes, por preguiça,
eu, que moro sozinho, bebo água do gargalo para não ter de lavar copo.)
Lidar com gêneros literários é um
pouco difícil. Já se fala em não-romance. Contudo, ainda é válido o uso da
noção de gênero literário como ponto de referência. Afinal, todos os seres
humanos usam taxonomias, isto é: todos usam classificações. Outra coisa difícil é a própria crítica. Todos têm
o direito de ventilar opiniões sobre textos reconhecidos como literários.
Acontece que, se a crítica científica quer ser tão fundamental para a sociedade
quanto a medicina é para os não médicos, a crítica especializada precisa ser
melhor divulgada sem deixar de ser fundamentada e mais cirúrgica do que a
crítica impressionista dos jornais, ainda que ambos os tipos de crítica — a
acadêmica e a não-acadêmica — possam coexistir.
Por que fazer crítica? Porque é
preciso que se descubra o que há de diferente em obras particulares, pois,
dependendo das mudanças praticadas pelos autores, um gênero sofre mutação.
Ocorre que, às vezes, uma obra destoa do gênero em que é enquadrada. Um exemplo
é o romance O Castelo de Otranto
(1764), do escritor britânico Horace Walpole (1717-1797). Continua pertencendo
ao gênero romance, mas é um romance gótico. É marco fundador do romance gótico:
inaugurou esse gênero de romance, e isso se comprova com base no fato de que foi imitado, conforme aponta Ariovaldo
José Vidal em sua Apresentação à
tradução brasileira de The Castle of
Otranto. A descoberta do que ele tinha de diferente é trabalho que a
crítica faz.
(Em O Castelo de Otranto, Manfredo, o soberano, quer que seu filho,
Conrado, se case com Isabela; dessa forma, seria garantida a continuidade de
sua dinastia pela linhagem masculina. Manfredo tem uma filha também, chamada
Matilda. O que motiva a sua ansiedade é o fato de que ele é um usurpador do
castelo, cujo verdadeiro rei nunca retornou; e esse é justamente o segredo do
passado que atormenta Manfredo. Para a desdita do soberano usurpador, que teme
a realização de uma profecia segundo a qual ele perderá o castelo, no dia do
casamento do filho, pouco antes da cerimônia, Conrado morre ao ser esmagado por
um elmo gigante. Manfredo, então, decide casar-se com Isabela, mesmo já tendo
uma esposa. Graças à intervenção de Teodoro, um camponês de gestos curiosamente
nobres, Isabela, a donzela em perigo, consegue se livrar daquele que até então
era o sogro da pobre moça.)
Outro exemplo é o romance policial,
um thriller. Desde o século XIX (19),
toda narrativa detetivesca emprega a seguinte fórmula: um crime é identificado,
mas suas causas são desconhecidas. Um detetive, cuja personalidade é formada
por características muito suas, como uma mania ou um passa-tempo (cf. REIMÃO,
1983, p. 79), reconstitui os passos do criminoso pelo uso da razão. No
desfecho, descobre-se que a hipótese mais improvável é a verdadeira. Não há o
elemento sobrenatural nem magia. Contudo, há uma obra particular que emprega
essa fórmula, mas insere a magia: a série romanesca Harry Potter (1997-2007), da escritora britânica J. K. Rowling
(1965). Outra regra (isto é: outra teoria postulada a partir de evidências, que,
por definição, são empíricas ou experimentadas na prática da leitura) é a de
que a narrativa policial se passa na pólis, ou seja: na cidade. Se admitirmos
que isso é verdade, Pântano de Sangue
(1987), aventura escrita por Pedro Bandeira (1942), destoa dessa regra, pois a
maior parte da investigação criminal é realizada no Pantanal, no Mato Grosso do
Sul, um ambiente mais natural.
Não se faz crítica literária sem
teoria; da mesma forma, não se fazem teorias sem críticas ou sem um conjunto de
críticas em torno de uma ou mais obras. Tais conjuntos são as fortunas
críticas, que nunca, jamais, jamais mesmo, devem competir com a literatura nem
tomar o seu lugar. Apenas expressam diferentes interpretações e, assim,
confirmam que o sentido na verdade são os sentidos e que não são unívocos. Quem
diz que, para analisar um texto literário, não precisa de teoria já está
enunciando uma teoria segundo a qual é prescindível (dispensável) a teoria (e
isso, é claro, é um paradoxo). Tais correntes (às quais podemos unir as
correntes dos Estudos Tradutológicos ou Estudos de Tradução, como aquela a que
estava filiada a saudosa Lia Wyler) ficam abaixo de uma disciplina maior, uma
disciplina cuja função é a de reunir todas as teorias e fazer a crítica à
crítica literária (a metacrítica, que é a análise das análises; afinal, crítica
literária é a análise ou estudo de uma obra). Estou me referindo à Teoria da
Literatura.
Em resumo: a crítica literária é a
avaliação de uma obra ou de um texto literário particular, enquanto a teoria é
o que se afirma do geral, e não do particular. Existem teorias que se baseiam
nos procedimentos estéticos; outras, na história de vida do autor ou no momento
histórico em que viveu ou vive. A teoria depende da crítica tanto quanto a
crítica depende da teoria. O conjunto de avaliações ou críticas em torno de uma
obra particular é a fortuna crítica. Todas as teorias literárias estão dentro
da Teoria da Literatura, que, por sua vez, é uma disciplina que está dentro dos
Estudos Literários. A Teoria da Literatura faz a análise das críticas, ou seja:
faz a análise das análises, ou seja ainda: faz a crítica das críticas. Isso se
chama metacrítica. Uma das teorias literárias mais famosas é a dos gêneros
literários, que já mencionei e que, a partir de agora, tentarei pormenorizar ou
detalhar.
Os gêneros literários
Do ponto de vista do conteúdo, quatro
são os gêneros: o narrativo, o lírico, o épico e o dramático. Os dois primeiros
vocês já conhecem. Vejamos:
Gênero narrativo: Neste gênero estão o romance, a
novela e o conto. Antes do romance, as epopeias eram as narrativas mais
conhecidas. Com o passar do tempo, foram surgindo os romances, prosas de ficção
escritas nas línguas que vieram da língua românica (o idioma oficial de Roma):
o Latim. Essas línguas também eram chamadas de romances. Antes do romance
moderno, havia as novelas de cavalaria, como as que narravam as histórias do
Rei Artur e da Távola Redonda. Em Portugal, temos como exemplos de novelas de
cavalaria A Demanda do Santo Graal e Amadis de Gaula. O primeiro romance
moderno do ocidente, para muitos, é Dom
Quixote, do escritor espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616). Quando
comparado com os outros gêneros literários, no gênero narrativo prevalecem o
referente (o tema) e a função referencial da linguagem. Pode-se dizer que o
gênero narrativo mistura características de todos os outros. A prova disso é o
romance: há vários tipos: o romance de fantasia, o romance policial, o romance
realista... O romance é a prosa mais longa e analisa o comportamento das
personagens, enquanto a novela, que é mais curta, valoriza mais as ações
(característica do drama, que influenciou as telenovelas). O conto é a prosa
mais curta.
Gênero lírico: É dentro do gênero lírico que está a
maior parte da poesia da humanidade. Lira era o instrumento usado pelo aedos e
rapsodos, que cantavam a poesia. Quando comparado com os outros três gêneros
literários, no gênero lírico, com algumas exceções, destacam-se o emissor, o
mundo interior do eu poético e a função emotiva; por isso um dos efeitos da
literatura lírica é a catarse, a purificação, como se a pessoa lavasse a alma.
Se no gênero narrativo a prosa assume a
forma de romance, conto ou novela, no lírico, a poesia assume as seguintes
formas: soneto italiano (petrarquiano); soneto inglês (sheakespeariano);
epitalâmio; soneto spenserista; canção; elegia; ode; écloga (ou égloga);
balada; rondó; rondel; haicai; oitavas; sextilhas; cantigas de escárnio e
maldizer (sátiras de Portugal); sátiras.
Gênero épico: Épico é aquilo que é heroico. A forma
assumida por esse gênero é a epopeia. Na próxima aula, que girará em torno de
mitos e lendas, conheceremos, resumidamente, as epopeias gregas. Acredita-se
que o romance é o herdeiro da epopeia. As principais epopeias são estas:
A Ilíada, do escritor grego Homero;
A Odisseia, também de Homero;
A Eneida, de Virgílio;
Gilgamesh;
Beowulf (que foi uma das inspirações para o Senhor dos Anéis);
Os Lusíadas (1572), do poeta português Luís Camões
(1525-1579 ou 1580).
Quando
comparado com os outros gêneros literários, no épico prevalecem o referente e a
função referencial da linguagem.
Gênero dramático: O drama surge a partir da tragédia e
da comédia. Aristófanes é um dos principais autores de comédia da Grécia. A
comédia seria um gênero baixo por provocar o riso, enquanto a tragédia seria um
gênero alto. Em Édipo Rei, do autor e
dramaturgo grego Sófocles, o personagem principal tem de resolver o enigma da
Esfinge, que diz: “Decifra-me ou te devoro”. Ele acaba matando o próprio pai e
depois fica cego. Em Hamlet, de
William Shakespeare, o personagem principal, o príncipe, sabe que o tio
assassinou o rei. Geralmente, no drama há o conflito entre o bem e o mal ou
forças que simplesmente são oponentes. Quando comparado com os outros gêneros,
no drama o que mais se destaca, além das ações dos personagens, é a reação do
público da peça de teatro (o receptor da mensagem) e a função conativa da
linguagem.
Podemos fazer o seguinte esquema:
No plano da forma: |
No plano do conteúdo: |
Formas específicas assumidas pelos gêneros: |
Prosa de ficção (parágrafos) |
Narrativo |
conto; novela; romance. |
Poemas (versos livres e/ou brancos em estrofes, com ritmo,
melodia, cadência, aliteração e assonância) |
Lírico |
soneto
italiano (petrarquiano); soneto
inglês (sheakespeariano); soneto
spenserista; canção; elegia; ode; écloga
(ou égloga); balada; rondó; rondel; haicai; oitavas; sextilhas; cantigas
de escárnio e maldizer (sátiras de Portugal); sátiras. |
Poemas |
Épico
(heroico) |
epopeias |
Peças teatrais (dramaturgia) |
Dramático |
tragédia; comédia; tragicomédia; drama (séc. XVIII); auto; farsa. |
Outro quadro que podemos estabelecer
é o seguinte, adaptado do livro das professoras Ana Tereza e Benedicta
Aparecida (2003, p. 22):
|
Gênero narrativo |
Gênero lírico |
Gênero épico |
Gênero dramático |
Elemento da comunicação que mais se
destaca |
Referente
(assunto) |
Emissor |
Referente |
Receptor |
Função da linguagem que mais se
destaca |
Função
referencial |
Função
emotiva |
Função
referencial |
Função
conativa |
Possíveis efeitos |
Mímesis,
verossimilhança e muitos, muitos outros. |
Catarse,
desabafo, simpatia, exaltação. |
Admiração,
surpresa, orgulho, austeridade. |
Terror,
horror, piedade, riso, revolta. |
Formas específicas principais |
Conto,
novela e romance. |
Soneto,
ode, balada, elegia, canção. |
Epopeia |
Diferentes peças de teatro. |
O quadro resumitivo acima só compara
textos literários com outros textos literários: os não-literários não entram na comparação.
O gênero lírico mais uma vez: algumas
exceções
Texto
VI (6º)
MAR
PORTUGUÊS
Ó MAR SALGADO, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosse nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
(Fernando Pessoa. Mensagem. In: ___. Obra Poética. 3. ed. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1986, p. 82.)
Nos versos acima, do escritor
português Fernando Pessoa (1888-1935), encontramos a homonímia: a palavra pena pode se referir à piedade, mas
também pode significar pena de escrever, usada antes do advento da caneta. Isso
permite mais de um sentido para o texto. Se compararmos o poema acima com
outros poemas líricos, veremos que ele, que fala das perdas e das mortes
causadas pela expansão marítima no tempo em que Portugal decidiu explorar o mar
a fim de achar rotas comerciais e expandir seu domínio, é uma poesia em que se
destaca mais o tema (o referente) e a função referencial da linguagem, ainda, é
claro, que encontremos a interjeição “Ó” (marca do eu interior e de suas
emoções) e marca da primeira pessoa (a palavra nossa).
Texto VII (7º)
ONTEM À TARDE um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver
justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm
fome,
E dos ricos, que só têm costas para
isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos
olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu
sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.
(Mas eu mal o estava ouvindo.
Que me importam a mim os homens
E o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu — não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos
importarmos uns com os outros,
A nossa alma e o céu e a terra
bastam-nos.
Querer mais é perder isto, e ser
infeliz.)
Eu no que estava pensando
Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas)
Era em como o murmúrio longínquo dos
chocalhos
A esse entardecer
Não
parecia os sinos duma capela pequenina
A que fossem à missa as flores e os
regatos
E as almas simples como a minha.
(Louvado seja Deus que não sou bom,
E tenho o egoísmo natural das flores
E dos rios que seguem o seu caminho
Preocupados sem o saber
Só com florir e ir correndo.
É essa a única missão no Mundo,
Essa — existir claramente,
E saber fazê-lo sem pensar nisso.
E o homem calara-se, olhando o poente.
Mas que tem com o poente quem odeia e
ama?
(Alberto Caeiro. O guardador de
rebanhos: XXXII. In: Fernando Pessoa. Obra
Poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1986, p. 220-1.)
Texto VIII (8º)
ONTEM O PREGADOR de verdades dele
Falou outra vez comigo.
Falou do sofrimento das classes que
trabalham
(Não do das pessoas que sofrem, que é
afinal quem sofre).
Falou da injustiça de uns terem
dinheiro,
E de outros terem fome, que não sei se é
fome de comer,
Ou se é só fome da sobremesa alheia.
Falou de tudo quanto pudesse fazê-lo
zangar-se.
Que feliz deve ser quem pode pensar na
infelicidade dos outros!
Que estúpido se não sabe que a
infelicidade dos outros é deles,
E não se cura de fora,
Porque sofrer não é ter falta de tinta
Ou o caixote não ter aros de ferro!
Haver injustiça é como haver morte.
Eu nunca daria um passo para alterar
Aquilo a que chamam injustiça do mundo.
Mil passos que desse só para isso
Eram só mil passos.
Aceito a injustiça como aceito uma pedra
não ser redonda,
E um sobreiro não ter nascido pinheiro
ou carvalho.
Cortei a laranja em duas, e as duas
partes não podiam ficar iguais
Para qual fui injusto — eu, que as vou comer a ambas?
(Alberto Caeiro. O guardador de
rebanhos: XXXII. In: Fernando Pessoa. Obra
Poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1986, p. 233.)
Os Textos VII (7º) e VIII (8º) são mais
narrativos do que emotivos. Apesar de haver um certo lirismo na medida em que o
eu poético de Alberto Caeiro (um dos nomes usados por Fernando Pessoa) injeta
belas imagens, tais como a das flores, a do entardecer e a dos regatos
(pequenos rios), o eu poético é um narrador-personagem, e ele se concentra mais
em narrar uma história e em defender certos pontos de vista do que em desabafar
ou expressar seu eu interior, ainda que vejamos o mundo interior do eu poético
(o eu lírico) ou do emissor. Existe um certo estranhamento: quantas vezes
pensamos nas pessoas que têm fome quando cortamos uma laranja? O eu poético
meio que zomba de quem se preocupa com esse tipo de problema. Seria isso uma
ironia? Em outras palavras: estaria o eu poético dizendo o oposto daquilo em
que realmente acredita? De qualquer forma, destacam-se mais o referente e as
opiniões ou reflexões nos dois poemas, que contam histórias que se completam,
já que um é a continuação do outro. Sendo assim, destacam-se mais as funções referencial
e conativa.
Texto IX (9º)
E HÁ POETAS que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem
constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não
está!...
Quando a única casa artística é a Terra
toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a
mesma.
Penso nisto, não como quem pensa, mas
como quem respira,
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem sei eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em
mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao solo pelas estações contentes
E deixar que o vento cante para
adormecermos
E não termos sonhos no nosso sono.
(Alberto Caeiro. O guardador de
rebanhos: XXXVI. In: Fernando Pessoa. Obra
Poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1986, p. 222.)
Estamos diante de mais um poema
lírico. Há mais destaque para o eu interior do eu lírico (ou eu poético). No entanto,
a primeira estrofe é formada por três linhas (ou três versos). Estamos, é
claro, diante da imagética, que é a inoculação ou injeção de imagens: o eu
poético insere ou injeta a imagem de um muro (uma comparação) e a das flores.
Contudo, se excluirmos a última estrofe, e nos concentramos apenas nas duas
primeiras (formadas pelas oito primeiras linhas do poema), veremos que o eu
poético, apesar de ter se concentrado na elaboração do próprio poema, está se
queixando do uso do idioma na elaboração do poema dos outros. Isso quer dizer
que está usando a linguagem verbal para falar da própria linguagem. Destaca-se,
pois, a função metalinguística nas oito primeiras linhas (duas primeiras
estrofes). Observação: A queixa diz
respeito à métrica, que pode ser verificada por meio da escansão: em cada
verso, ou linha, o poeta tem um limite de sílabas: quando não consegue atingir
esse tal, ou quando o ultrapassa, tem de refazer o verso. Mas esses são temas
para outra aula.
Texto X (10)
Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispneia e suores
noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que
não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e
três…
— Respire.
— O senhor tem uma escavação no pulmão
esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o
pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um
tango argentino.
(Os dez melhores poemas de Manuel
Bandeira. In: Revista Bula. Disponível em: <
https://www.revistabula.com/564-os-10-melhores-poemas-de-manuel-bandeira/ >.
Sem data. Acesso em: 25 mar. 2020.)
Estamos diante de uma poesia lírica, e
no entanto ela é mais narrativa do que lírica: vê-se claramente os
interlocutores, ou seja: as pessoas que conversam. Tais pessoas são o médico e
o paciente. Este último está com pneumonia. Destaca-se muito mais a função
referencial, porque é no referente que mais se concentrou o emissor, e não em
seu mundo interior. Podemos aplicar a teoria da projeção, pois existem três
vias ou três técnicas das quais duas podemos usar: a biográfica e a
historiográfica. O eu poético de Manuel Bandeira (1886-1968) é baseado no eu de
carne e osso do autor, que já teve pneumonia e teve de morar em Teresópolis,
uma cidade arborizada, para se tratar. Como diz Tzvetan Todorov (2017, p. 160),
“há [...] casos em que a biografia do
autor acha-se em relação pertinente com sua obra. Apenas, para ser utilizável,
seria preciso que esta relação fosse dada como um dos traços da própria obra”. Também
podemos usar a projeção histórica ou historiográfica, já que, no tempo em que
viveu Manuel Bandeira, eram precários os tratamentos de pneumonia, de modo que
só restavam duas opções: lamentar ou aceitar sem pânico, o que permitiria
aproveitar a vida e dançar um tango argentino.
Mais exceções ou idiossincrasias
(peculiaridades) dentro do gênero lírico
Leremos três sonetos. “Soneto”,
ensinam as professoras Ana Tereza e Benedicta Aparecida (2003, p. 16),
“significa ‘pequeno som’. Foi usado pela primeira vez por Jacob de Lentini,
Escola Sciliana (séc. XIII), difundido por Petrarca no século XIV”. O soneto
foi usado também por Wiliiam Shakespeare e por Spencer. Trata-se de uma poesia
formada por catorze linhas ou versos. O soneto shakespeariano contém apenas uma
estrofe, enquanto cada um dos outros sonetos contêm quatro estrofes: dois
tercetos (duas estrofes com três linhas em cada) e dois quartetos (duas
estrofes com quatro linhas ou versos em cada). (Via de regra, cada linha do
soneto contém, no máximo, dez sílabas poéticas, mas isso diz respeito à
métrica, assunto para outra aula.) Vejamos:
Texto XI (11)
VERSOS
ÍNTIMOS
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Pau
d’Arco, 1906
(Augusto dos Anjos. Eu e outras poesias. 48. ed. especial revista e ampliada. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2010, p. 156.)
Sabe-se que Augusto dos Anjos (1884-1914)
sofreu muito; não é à toa que a maioria dos seus poemas é pessimista; da mesma
forma, não é por acaso que, noutros poemas, tanto fala da morte, da matéria e
da decomposição dos cadáveres. Boa parte de sua ruína pessoal pode ser
atribuída à ruína da Fazenda Pau d’Arco, que era de sua família.
Se compararmos os Versos
Íntimos, que, como sugere o título, revelam o mundo interior do eu que
dirige a palavra a um leitor, com textos épicos e dramáticos, veremos que
prevalece o mundo interior do emissor da mensagem, mundo do qual são evidências
os pontos de exclamação, que dão mais expressividade às emoções que não pôde
conter. No entanto, em nenhum momento encontramos marcas da primeira pessoa —
nem do singular (como “eu”, “meu”, “minha”), nem do plural (como “nós”,
“nosso”, “nossa”). Vemos o mundo interior do eu poético? (que é uma projeção do
eu de carne e osso de Augusto dos Anjos). Sim, vemos, mas, como eu disse, o
texto carece de marcas da primeira pessoa: nele elas estão ausentes. Além
disso, se compararmos os versos de Augusto dos Anjos com poesias que também
sejam líricas e contenham as tais marcas da primeira pessoa, veremos que o que
mais se destaca não é o emissor nem a função emotiva. O eu poético está se
concentrando no receptor, isto é: no leitor, a quem faz comandos como quem dá
ordens; chega até mesmo a usar a palavra amigo
para fazer contato direto (função fática). Dessa forma, tenta influenciar o
comportamento do leitor, a quem sugere que não há esperança de um dia melhor e
que ninguém é digno de confiança. Portanto, prevalece a função conativa, que se
destaca muito mais do que a emotiva.
Restaria apenas a opção de fumar na
lama, ou seja: no fracasso. Afinal, a mão que afaga é a que nos apedreja.
Afagar é acariciar; escarrar é cuspir. Quem diz que nos apoia é, na verdade, a
pessoa que nos trai e nos ataca. Trata-se de uma visão muito pessimista da
vida, uma visão oposta à visão otimista que veremos no texto a seguir (no qual
também estão ausentes as marcas da primeira pessoa):
Texto XII (12)
Silente
amigo, dos longes tão vários,
sente
como ao teu sopro o espaço cresce!
Deixa-te,
na armação dos campanários
sombrios,
soar. Isso que te enfraquece
será
uma força, com tal alimento:
seja
a metamorfose o teu caminho!
Qual
o teu mais pungente experimento?
Se
te amarga o beber, torna-te em vinho.
Nesta
noite de excesso, sê a magia
na
encruzada dos sentidos; sê tu o
sentido
que a tal encontro os levou.
E
se o terreno te esquecer, à fria
e
imóvel terra apenas dize: eu fluo!
E
à múrmura água inquieta, dize: eu sou!
(Rainer Maria Rilke. In: ______. Poemas e cartas a um jovem poeta.
Tradução de Geir Campos e Fernando Jorge. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017,
p. 54.)
Vocês acabaram de ler um poema
originalmente escrito em alemão por um autor que nasceu em dezembro de 1875, em
Praga (capital da República Tcheca), no antigo Império Austro-Húngaro, e morreu
em 1926, na Suíça.
Rainer Maria Rilke escreveu um
soneto, que, como todos os outros sonetos, é lírico. Se comparado às
literaturas narrativa e épica, o texto acima usa um pouco mais a função
emotiva, já que todo lirismo é uma forma de manifestar o eu interior. Vemos até
exclamações, que usamos quando não conseguimos nos conter, ou seja: quando não
conseguimos controlar os sentimentos nem as emoções que borbulham dentro de
nós. No entanto, quando comparado com a esmagadora maioria dos outros sonetos e
com a grande maioria dos outros poemas líricos, a poesia de Rainer Rilke
concentra-se muito, muito mais no leitor, que é o receptor da mensagem. Com
efeito: o eu poético dirige a palavra a alguém a fim de incentivar ou encorajar
esse alguém; portanto, tenta mudar o comportamento do receptor da mensagem, de
modo que a linguagem desempenha a função conativa ou apelativa. “Sê tu” quer
dizer “Seja você”: o verbo está no imperativo; logo, fica claro que o eu
poético faz comandos, ordens ou sugestões: É como se ele dissesse ao amigo:
“Transforme-se em vinho [...];/ seja você a magia [...]/ seja você o sentido”,
ou seja: é como se o poeta dissesse: “Seja você a razão e o sentido da vida,
erga a cabeça e não desista”. Quem não conhece a expressão “passar da água para
o vinho”?
Texto XIII (13)
A
tua beleza
(À
bela, doce e meiga Thalya.)
Profundo é o castanho dos olhos teus:
Tão vivo, tão cintilante e vivaz;
Esplendor que nem o sol mereceu.
O teu colorido calor me traz,
Calor que dissipa, na madrugada,
A neblina fria da minha insônia,
Depois duma noite em claro e estrelada.
A saudade, vigia que me inspeciona,
Leva-me à janela, da qual eu peço
Ao veludo do céu noturno que traga
A mulher por mim amada, meu anjo.
Com a beleza que move o universo,
Voa, voa ao vento de chuva parca!
E nos meus braços caias, que eu te amo!
(Márcio Alessandro de Oliveira. Guarapari,
ES, 16/12/2020.)
O soneto que vocês acabaram de ler eu
escrevi com o objetivo de fazer com que uma moça se apaixonasse por mim;
portanto, tentei influenciar o comportamento dela. Isso quer dizer que eu usei
muito mais a função conativa ou apelativa da linguagem, mesmo que se trate de mais
um entre vários poemas líricos, nos quais tende a se destacar muito mais a
função emotiva em comparação com outros gêneros literários tanto quanto tende a
se destacar a função poética em relação aos textos não-literários. Infelizmente, o tiro saiu pela culatra, porque a
moça, que até chegara a se mostrar bastante interessada em mim, mas que já não
mostrava interesse pelos meus recados, nunca mais respondeu às minhas
mensagens. Desfiz o contato e nunca mais conversei com ela, que, pelo visto,
não gosta de literatura. (Lembremos que existe a desliteraturização, que é a
desvalorização da literatura.)
***
Os hinos, como o Hino Nacional, são líricos, mas neles prevalece a função
referencial. E as Canções de Gesta? (que falavam de temas guerreiros). Vejamos:
Texto XIV (14)
Exemplo
de canção de gesta do século XII (12):
Eu vos digo que nem
comer, nem beber,
nem dormir têm tanto
sabor para mim
como ouvir o grito
“Para a frente”,
de ambos os lados, e
cavalos sem cavaleiros
refugando e
relinchando, ouvir o grito
“Acudi! Acudi!” e ver o
pequeno e o poderoso
tombarem na grama das
trincheiras e os
mortos atravessados
pela madeira de lanças
adornadas com flâmulas
[bandeiras].
(Bertrand de Born apud BARROS, José D’Assunção.)
O eu poético faz uma exaltação da
guerra e um elogio à violência: prefere a guerra às coisas boas da vida, como
comer e dormir. Por incrível que pareça, o texto é lírico, e contém marcas da
primeira pessoa... “Acudi [vós]!”
quer dizer “Acudam vocês!”. As canções de gesta são a inspiração de muitas
novelas de cavalaria.
CONCLUSÃO
Para sabermos que funções a
linguagem exerce neste ou naquele texto, precisamos saber a que gênero ele
pertence, o seu tema e a intenção do seu autor (o emissor). Todo texto é uma
mensagem. Além disso, para que possamos saber qual função mais se destaca num
texto literário, precisamos compará-lo a outros textos literários, de outros
gêneros (lírico, épico, dramático e narrativo), e também precisamos compará-lo
a textos não-literários.
Obviamente o desafio não é
identificar a função ou as funções, já que podemos contar sempre, por exemplo,
com a função referencial, porquanto toda mensagem gire em torno de um assunto
ou tema. O desafio, alunos, é saber qual função se destaca mais do
que as outras — e é aí (para usar uma expressão popular) que a porca
torce o rabo.
Quando um texto literário for
comparado a um não-literário, no primeiro sempre vai se destacar mais a função
poética, pois que o elemento da comunicação mais desenvolvido é a própria
linguagem verbal (o idioma), já que o
literato, por meio desse procedimento (que pode incluir as “técnicas”
narrativas ou recursos da diegese), cuida do tratamento estético da mensagem (o
próprio texto literário); assim, é na própria mensagem e na sua elaboração que
se concentra o autor do texto; e se o elemento da comunicação que mais recebe
atenção é a própria mensagem, é inevitável que se destaque muito mais a função
poética. Se a maneira de usar a língua define o texto literário, então
define também a organização ou a estrutura do texto, o que equivale a dizer que
se destaca muito mais a própria estética da mensagem, estética que consiste
justamente na sua organização, na sua forma (que pode ser prosa, feita com
parágrafos, ou poema, feito de versos).
Por outro lado, quando comparamos um
texto literário de um dos quatro gêneros (o narrativo, o lírico, o épico e o
dramático), sabemos que em todos haverá função poética, mas não é essa a função
que mais vai se destacar, não enquanto todos os textos comparados forem
literários: Em outras palavras: os textos não-literários nem sempre entram na
comparação, e, quando não entram, teremos de ter mente que o critério que
define a função que mais se destaca não leva em conta só a maneira de fazer a
mensagem, ou seja: a forma fica em segundo lugar: o que vai definir é o
conteúdo (o próprio tema). Como no gênero lírico, com exceção de algumas de suas
formas (como o hino), prevalece o mundo interior do eu poético (seja qual for o
tema por ele abordado nos versos), destaca-se mais o emissor da mensagem, e não
a estética nem a estrutura ou organização da mensagem (e a mensagem é o poema
em si). Quando comparamos apenas textos literários, apesar de cada um usar duas
ou mais funções da linguagem, no lírico tende a se destacar mais do que as
outras a função emotiva (com algumas exceções); no narrativo e no épico,
destaca-se a função referencial; no gênero dramático, a função conativa.
O gênero narrativo tende a produzir
o efeito de mímesis, imitação do real, pautado ou baseado na verossimilhança. O
gênero lírico (assim como a tragédia) tende a produzir a catarse, que é o que
fazemos quando desabafamos.
Exercícios: [1]
Questão 1:
Para
mostrar o que é possível ou mesmo o que é fantástico, a ficção organiza o texto
narrativo em prosa com recursos narrativos, tais como a expressão “Era uma vez”
e o uso de travessões para marcar os diálogos (conversas). Também usa um
narrador. Na ficção literária e na ficção em geral, qual o nome desse conjunto
de técnicas narrativas?
A) Metáfora.
B) Imagética.
C) Diegese.
D) Técnica de Redação.
Questão 2:
Quais
são os gêneros literários?
A) Jornalístico e científico.
B) Prosa e literatura médica.
C) Narrativo, lírico, épico e dramático.
D) Contos e novelas.
Questão 3:
Leia
as afirmativas abaixo:
I)
Não existe literatura sem função poética da linguagem, porém
é igualmente verdade que não pode haver função poética sem literatura.
II)
A função poética é usada quando o literato dá um tratamento
especial ao idioma por meio de procedimentos estéticos (figuras de pensamento,
rimas, versos, diegese), de modo que se
concentra mais na mensagem e no modo de organizá-la ou formulá-la do
que nos outros elementos da comunicação.
III)
A crítica literária avalia uma obra particular, enquanto a
teoria dos gêneros engloba o que é geral.
IV)
A homonímia pode ser um meio de garantir a produção de mais
de um sentido para o texto literário.
Quais
opções são verdadeiras?
A) Só as duas primeiras afirmações são
verdadeiras.
B) São verdadeiras todas as afirmativas.
C) São mentiras todas as afirmações.
D) Só as duas últimas declarações são
verdades.
Questão 4:
No
gênero lírico, um dos efeitos é a catarse. Qual efeito pode ser produzido no
gênero narrativo?
A) Plágio.
B) Submissão.
C) Correção.
D) Mímesis.
Questão 5:
Leia
as poesias a seguir (Textos XV, XVI, XVII e XVIII):
Texto XV (15)
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
— Eu faço versos como quem morre.
Teresópolis, 1912
(Manuel Bandeira. A cinza das horas. 3. ed. São Paulo: Global Editora, 2013, p. 27.)
Texto XVI (16)
O
bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(“Há muitos bichos na poesia de Manuel
Bandeira”. In: Jornal Rascunho. Disponível em:
<http://rascunho.com.br/o-bicho-de-manuel-bandeira/>. Sem data. Acesso
em: 25 mar. 2020.)
Texto XVII (17)
Não
foi só uma vez.
À memória de Manuel Bandeira.
Também vi um bicho
Comendo montículo
De restos de comida
De um restaurante.
Não catava,
Não selecionava,
Não escolhia:
Tirava coisas, sofregamente,
Do lixo —— e comia.
Não era rato,
Não era gato,
Não era cão:
Era um bicho-homem,
Igual a mim.
Mas ele estava com fome,
E eu não.
1996.
(Diógenes Magalhães. Síndrome do Pânico (sequelas). Rio de
Janeiro: Edições Coisa Nossa, 2002, p. 142.)
Texto XVIII (18)
A
morte a cavalo
A cavalo de galope
a cavalo de galope
a cavalo de galope
lá vem a morte chegando.
A cavalo de galope
a cavalo de galope
a morte numa laçada
vai levando meus amigos.
A cavalo de galope
depois de levar meus pais
a morte sem prazo ou norte
vai levando meus irmãos.
A morte sem avisar
a cavalo de galope
sem dar tempo de escondê-los
vai levando meus amores.
A morte desembestada
com quatro patas de ferro
a cavalo de galope
foi levando minha vida.
A morte de tão depressa
nem repara no que fez.
A cavalo de galope
a cavalo de galope
me deixou sobrante e oco.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
(A morte a cavalo. In: Poemblog. 16 dez. 2012. Disponível em:
<
http://leaoramos.blogspot.com/2012/12/a-cavalo-de-galope-cavalo-de-galope-la.html#:~:text=dezembro%2016%2C%202012-,A%20cavalo%20de
%20galope%2C%20a%20cavalo%20de%20galope%2C%20l%C3%A1%20vem,%2C%20seus%20amores%2C%20sua%20vida.&text=l%C3%A1%20vem%20a%20morte%20chegando.,-A%20cavalo%20de>.
Acesso em: 25 fev. 2021.)
Todas as quatro poesias que acabou
de ler são líricas. No entanto, apenas duas mantêm nitidamente provas
irrefutáveis de que uma foi influenciada pela outra. Sabendo que a influência
entre autores é o que gera a intertextualidade, e que essa tal pode motivar a
escolha de temas por parte de um escritor, responda à seguinte pergunta: Que
textos deixam clara ou explícita a intertextualidade?
A) Textos XVI (16) e XVII (17).
B) Texto XVI (16) e XVIII (18).
C) Textos XVII (17) e XVIII (18).
D) Textos XV (15) e XVI (16).
Questão 6:
Leia
o poema a seguir:
Texto XIX (19)
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
(Carlos Drummond de Andrade, 1986, p.
207 apud INFANTE, Ulisses. Curso de literatura de língua portuguesa.
São Paulo: Scipione, 2001, p. 538.)
Sabendo que o eu poético dos versos
acima se dirige a um homem chamado José, o qual é chamado constantemente pelo
nome, e que isso, além de valorizar o contato ou o canal de comunicação,
permite que o emissor da poesia (a mensagem) mexa com a cabeça do tal homem,
assinale a opção que apresenta as funções da linguagem condizentes com tais
afirmações e com os elementos da comunicação mencionados (o canal e o
receptor).
A) Função referencial e função
metalinguística.
B) Função fática e função conativa.
C) Função referencial e função emotiva.
D) Função conativa e função
metalinguística.
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